quarta-feira, abril 21, 2004

A um homem de ideais puros


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Era uma vez um pais cinzento onde nada acontecia...Ou melhor, as coisas e as pessoas aconteciam e nasciam, mas logo que acabavam de acontecer e de nascer, a cor era-lhes retirada, tudo passava a ser cinzento como nos noticiarios da televisao da epoca. Ate que...


Na Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, na esquina com a Sampaio Pina, perto do Liceu Maria Amelia, ha um cafe-restaurante chamado «Pisca-Pisca». E quase meia-noite do dia 24 de Abril de 1974. Uma noite fria e ventosa, apesar da Primavera. Um grupo de cinco clientes entra no estabelecimento onde as cadeiras estao ja arrumadas sobre as mesas. Pedem cafes. Um deles pergunta a um empregado se vao fechar.

- Claro, diz o homem - amanha e dia de trabalho!

- Se calhar nao vai ser - responde o fregues. - E, olhe no futuro ate vai ser feriado!

O empregado olha surpreendido aqueles clientes tardios e com um sentido de humor tao estranho. Se reparasse que apesar dos casacos diferentes, todos vestem calças,meias e sapatos iguais, ainda ficaria mais surpreendido.

Sao jovens, pouco mais de trinta anos os mais velhos, e estao excitadamente alegres. Com alguns outros, estiveram ate agora fechados nos seus automoveis desde as nove da noite, suportando o vento fresco do alto do Parque Eduardo VII. Sao o 10º Grupo de Comandos. As 22.55, nos radios dos carros, sintonizados para os Emissores Associados de Lisboa, a voz do locutor Joao Paulo Diniz anunciou o Paulo de Carvalho na cançao do Eurofestival «E Depois do Adeus» e provocou-lhes esta excitaçao de felicidade.
Preparam-se para assaltar o Radio Clube Portugues, na Rua Sampaio Pina, e para o transformar no emissor do posto de comando do Movimento das Forças Armadas.

A meia-noite e vinte, na Radio Renascença, a voz de Zeca Afonso irrompe com «Grandola, Vila Morena». E o seguro sinal. O MFA esta em marcha, ja nada o pode travar

As 4.26, o Radio Clube Portugues emite o primeiro comunicado. Joaquim Furtado le pausadamente e solenemente:

«Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.

As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a maxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos nao seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos, alem de desnecessario, so podera conduzir a serios prejuizos individuais que enlutariam e criariam divisoes entre os Portugueses, o que ha que evitar a todo os custo. Nao obstante a expressa preocupaçao de nao fazer correr a minima gota de sangue de qualquer portugues, apelamos para o espirito civico e profissional da classe medica, esperando a sua acorrencia aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboraçao, que se deseja, sinceramente, desnecessaria.»

A partir da chegada da coluna de Salgueiro Maia ao centro fisico do poder politico, a acçao deste capitao, confunde-se com a historia do proprio 25 de Abril. E obvio que ao mesmo tempo, em Lisboa e no pais, ocorrem factos, o MFA cumpre objectivos, a Revoluçao assume o controlo. Porem ali, entre o nascer do dia e o meio da tarde, verificam-se os acontecimentos centrais do 25 de Abril. Se Otelo e o estratega, o cerebro da operaçao, Salgueiro Maia e o seu braço mais importante.

Apos a rendiçao de Marcelo Caetano e a sua saida do Quartel, pode dizer-se que a Revoluçao estava ganha, embora, ali perto, na Rua Antonio Maria Cardoso, os agentes da PIDE, encurralados como feras dentro da sua sede, disparassem das janelas, matando cinco pessoas. As unicas mortes verificadas durante o 25 de Abril.

A noite iria ser longa. Muita coisa iria passar-se ate que nos ecras da televisao os Portugueses tivessem ocasiao de ver a Junta de Salvaçao Nacional, com uns senhores empertigados, com um vago ar de golpistas sul-americanos, viessem, armados em «donos da guerra», ditar as leis de uma Revoluçao para a qual nada tinham contribuido, deixando na sombra os jovens oficiais que, como Salgueiro Maia, tudo tinham feito, que tudo tinham arriscado.

"In Vidas Lusofonas"

Devemos muito a este homem de aspecto fragil e esguio.
Salgueiro Maia, soldado portugues que a frente de 240 homens e com dez carros de combate avançou em 25 de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de tenente-coronel, recusou cargos de poder. E o mais puro simbolo da coragem e da generosidade dos capitaes de Abril.


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