terça-feira, fevereiro 27, 2007

Uma foto uma história

Por: Sr. António



Há muito que me tinha perdido nas entranhas deste bosque. Buscava uma solidão retemperadora, que sarasse as feridas de um passado doloroso. A estátua da Deusa de Pedra era o meu ponto de referência, perdia-me em pensamentos sinistros, sentado a seus pés. Promovia uma existência errante de quem apenas precisa de conhecer o Norte para evitar voltar ao ponto de partida. Sentia-me bem assim, envolvido comigo próprio, siderado com a beleza desta figura intemporal, tendo apenas o chilrear dos pássaros como companhia. Temia o conhecido e abraçava sem reservas o obscuro. Apaixonei-me pelo silêncio cúmplice desta Deusa de Pedra, que pacientemente me ouvia, sem nunca apresentar um esgar de repulsa ou desacordo.

Intrigava-me o contraste entre a frieza da pedra e a quente sensualidade do seu aspecto. Era impossível definir com exactidão os sentimentos que fluíam ao observar o seu olhar preso num horizonte próximo, tão próximo quanto exíguo era o espaço deste emaranhado de árvores e folhas. Não cheguei a contar os dias, as semanas, meses ou anos que posso ter passado neste meu estado de letargia junto a esta Deusa do Bosque.

Um dia, como que embriagado por um sonho na eminência do despertar, ouvi uma voz doce: "Também eu já estive sentada aos pés de um suposto Deus de Pedra neste mesmo local. Também eu me refugiei de um mundo que não me queria entender e ao qual não tinha forças, nem vontade para compreender...lamento...oh se lamento!", "Mas...mas...tu és a minha Deusa...não pode ser...devo estar entorpecido por um sonho que não me permite despertar...eu...","Não digas mais. Tu não estás a sonhar. Esta vai ser a tua realidade de hoje em diante. Aqui ficarás em meu lugar, até que alguém venha quebrar esse coração de pedra que agora possuis, e que não te permitiu valorizar a vida que te foi proporcionada, que te toldou os sentidos de tal modo que a tua felicidade começou a ser sinónimo da companhia de uma figura de pedra que nem sequer te podia retorquir. A mãe-natureza dá, a mãe-natureza tira. Eu aprendi a lição e estou livre, graças a ti, alguém que finalmente poderá ficar em meu lugar. Agora resta-te aguardar, ouvir sem poder falar, concordar pela simples incapacidade de poder contrariar, e esperar que alguém venha ocupar o teu lugar. Alguém que possua a mesma frieza para com a humanidade como tu possuis neste momento. Até nunca mais, pois nunca mais aqui poderei voltar"."Espera...espera...", só então percebi que as minhas palavras já não eram mais do que pensamento sem expressão fonética, limitei-me a vê-la correr, abandonando o local com a mesma força com que eu corri até ele.

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